Quem já está inserido no meio do rock e da cena independente está acostumado a assistir o primeiro show da banda de um amigo ou conhecido. Já assistir a primeira apresentação de uma banda internacional é algo muito raro para nós brasileiros.
No entanto, quem esteve no Centro Cultural São Paulo na última quinta-feira (25), teve a oportunidade de ver a tão esperada estreia de Laura Jane Grace & The Devouring Mothers.
Delicate, Petite & All Other Things She Is
Antes de rolarem os primeiros acordes, teve a sessão de autógrafos de Tranny: Confissões da Anarquista Mais Infame e Vendida do Punk Rock, biografia da vocalista Laura Jane Grace. Mantendo o carisma que apresentou no sábado após o show do Against Me!, ela atendeu uma enorme fila de admiradores que se formou na Biblioteca Mário de Andrade.
Ela não estava só assinando os exemplares. Tentava puxar assuntos com os fãs e fazia questão de assinar com o nome da pessoa. Se o idioma fosse um problema, bastava escrever o nome em um papel que Laura em seguida assinava “To Lupa, Much Love”. Realmente, amor foi o que não faltou com todos os fãs.
Na fila, enquanto esperava para ter meu autógrafo, também ouvi histórias incríveis. Por exemplo, uma fã que esperou 12 anos para conhecer a líder da sua banda favorita e não conseguiu conter o choro após o encontro.
Enquanto outra uma moça de 17 anos, que conheceu o Against Me! no começo deste ano, viajou de Joinville para São Paulo para ver os shows. Curiosamente, ela estava preocupada se ia conseguir declarar seu amor para Laura.
Conceptual Paths
Originalmente marcado para às 21h, a apresentação atrasou alguns minutos para dar tempo para Laura atender todos os fãs que participaram da sessão de autógrafos. Era cerca de 21h30 quando a vocalista entrou no Teatro Adoniran Barbosa ao lado do baixista e produtor Marc Jacob Hudson e o baterista Atom Willard.
Eles estavam lá para apresentar as faixas do disco de estreia do Laura Jane Grace & The Devouring Mothers, Bought to Rot. O material está previsto para sair no dia 9 de novembro, mas o público teve a sorte de conhecer muitas das faixas em primeira mão.
O que podemos esperar do álbum? Algo um pouco distante do Against Me!, mas ainda dentro da sua essência. Algo que navega dentro dos diversos estilos do rock e, ao mesmo tempo, se distancia do punk rock mais crú. Com isso esclarecido, vamos aos detalhes.
Screamy Dreamy
Como era esperado, o repertório foi criado com base em Bought to Rot e parecia uma grande viagem pelo rock dos anos 90. Por exemplo, Manic Depression e Amsterdam Hotel Room tinham uma alma bem pop. Ao mesmo tempo, eram reflexivas ao falar sobre depressão e a vida na estrada.
Screamy Dreamy, Born In Black e Valeria Golino foram as músicas que mais chamaram atenção. Elas possuem um flerte com o grunge que faz lembrar do Nirvana. Elas possuem pontos calmos que de repente se transformam em berros cheios de dor. Uma fórmula bem ao estilo Kurt Cobain.
Laura desabafou que estava triste de ter que deixar o Brasil após uma semana incrível e ter que viajar direto para Chicago, uma cidade que ela não tem muito amor. Isso ficou bem claro na letra de I Hate Chicago, algo como um blues sobre todas as coisas que ela não gosta da cidade mais populosa de Illinois, nos Estados Unidos.
A vocalista arrancou risos da plateia em diversas oportunidades, mas duas situações merecem ser citadas. A primeira foi quando contou a origem da letra de The Hotel Song explicando como ela ama ficar hospedada em hotéis e chegou a morar por um ano e meio em um hotel. “Sim, fiquei um ano e meio sem arrumar a cama”, confessou.
A segunda história foi a explicação por trás de The Acid Test Song. “Essa é uma música sobre estar em uma situação que não consegue tomar uma decisão. Então você toma LSD e deixa ele fazer a decisão por você. O que acontecer, aconteceu. Não estou dizendo que isso aconteceu, estou dizendo que a letra é sobre isso. É apenas ficção, certo”.
Apocalypse Now (& Later) e The Airplane Song, os primeiros singles de Bought to Rot, ganharam uma energia extra ao vivo. Mais interessante foi ver que boa parte do público já conhecia as letras, mostrando que quem estava lá, realmente queria ver a Laura e “as mães devoradoras”.
The Friendship Songs
Laura nunca escondeu seu fanatismo pela banda The Mountain Goats. Talvez por isso o set list teve duas versões do grupo californiano de indie folk, Amy AKA Spent Gladiator 1 e Dilaudid. Presente em Bought to Rot e no repertório da noite, Vancouver Divorce é uma cover do músico canadense Gordon Downie que se encaixou muito bem com a banda.
Apesar de ser bem no começo do set, a terceira música para ser mais exato, Conceptual Paths foi uma das surpresas para os fãs que acompanham a carreira da vocalista. A faixa faz parte do EP Heart Burns (2008), época em que Laura ainda usava o nome Tom Gabel. Então, foi possível ver algumas pessoas cantando.
Baby, I’m an Anarchist!
Confesso que é muito estranho ver um show sentado, principalmente uma apresentação de rock. Contudo, o clima de teatro arena e as canções combinaram bastante com o espaço. Segundo a produção, Laura ficou encantada com a atmosfera do lugar durante a passagem de som.
O público também aproveitou bem a oportunidade, deixando os músicos fazerem seu trabalho sem intervir. Era fácil ver as pessoas curtindo o momento, sorrindo e gargalhando com as histórias da Laura. Até mesmo bangueando como uma senhora de cabelos brancos que estava na minha frente.
Quando veio a intervir, foi por uma excelente causa para mostrar um cartaz com #elenão #elenunca. Então, a vocalista aproveitou a oportunidade para se posicionar: “Tenho lido sobre isso desde que cheguei aqui. Só quero que saibam que resistiremos com a rede mundial antifascista. Todo poder ao povo, sempre!”
Assim foi o show de estreia de Laura Jane Grace & The Devouring Mothers. Aqui no Brasil. Aqui em São Paulo. Curioso o respiro no meio da tensão que vivemos ser uma apresentação de uma banda com uma líder trans e assumidamente anarquista.
Foto: Drico Galdino / Divulgação
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